Hora de colocar em prática

Andei sumida, eu sei. Mas foi por um motivo muito nobre: logo após minhas férias, fui direto pra minha primeira experiência em sala de aula. Foram 4 inexplicavelmente maravilhosas  semanas na 3a série primária da Melbourne Rudolf Steiner School. Durante a primeira semana apenas observei e absorvi a experiência da Ali, a professora dessa turma de crianças de 8 e 9 anos. Ela é um doce de pessoa e me transmitiu um apoio sereno para as atividades que eu teria que desenvolver com os alunos a partir da segunda semana. Ensinar pela primeira vez foi mágico e assustador ao mesmo tempo. A magia vem do sonho acalentado agora tomando forma. A apreensão era olhar para os inocentes e meigos rostos daquelas crianças e sentir a imensa responsabilidade que acompanha a arte de ensinar. Palavras, gestos e até pensamentos têm que ser escolhidos com cautela – as crianças absorvem tudo. Inseguranças à parte, eu estava sim muito empolgada ante a oportunidade de colocar em prática o conteúdo até então absorvido no curso.

No primeiro dia de aula, na hora do recreio matinal (à tarde tem outro), fui saudada por 4 meninas lindas que no ano passado estavam no jardim de infância onde fiz minhas 2 semanas de observação. Elas agora estão na 1a série e vieram correndo ao meu encontro quando me viram. Ganhei meu dia! Criança tem esse dom de trazer o céu pra Terra e iluminar todo o nosso ser. Naquele momento a vida parou pra mim e me deixei embalar no amor puro que veio daqueles coraçõezinhos. Elas me presentearam com várias bolas de areia molhada, as quais depois as convidei pra contar: 30 ao todo! Divertimo-nos até! E no dia seguinte ganhei delas os presentinhos abaixo, os quais retratam a singeleza da alma pueril.

Peninha do pavão criado na escola e uma linda mariposa branca (nunca tinha visto uma branca!)
A pétala de rosa e a pedra rosa estavam dentro de uma bola de areia molhada “Nina, você tem que espremer a bola pra ver a surpresa que tem dentro!” E quando me deram o cartão, explicaram “Não sabíamos escrever seu nome, Nina…”

Na 3a série, as crianças estão atravessando a fase que o Steiner define como “The crossing”, em que estão vindo da plena consciência do mundo espiritual e adentrando o caminho que leva à plena consciência terrena. O paraíso experienciado na infância, quando a criança é una com o mundo que a cerca, fica pra trás. A criança começa a ficar consciente da sua separação com o mundo, começa a perceber a sua individualidade. É fundamental que elas acreditem que as suas prévias experiências espirituais eram verdadeiras, e que esse novo mundo que se descortina é um lugar seguro. A fim de suprir essa necessidade de segurança, na 3a série Waldorf as crianças também aprendem sobre: 1) construção de casas, preparando tijolos de barro e construindo em equipe uma pequena morada; 2) cultivo de hortaliças e legumes, através da preparação do solo, plantio e manutenção de uma horta; 3) culinária, através do preparo de sopas e pães, por exemplo. Assim, elas estão aprendendo a ser auto-suficientes e ficam orgulhosas em mostrar aos pais e professores que elas sabem tomar conta de si mesmas.

A partir desse enfoque, eu tive a idéia de cozinhar com elas o nosso famoso pão-de-queijo. A professora adorou a idéia. Eu fiquei nervosa antes da aula começar, mas assim que comecei a contar pra elas sobre a mandioca e o polvilho, os índios e os escravos, o nervosismo desvaneceu-se.  Parecia que eu já ensinava há anos, foi muito natural. Após contar a história da origem desse delicioso petisco, escrevi a receita no quadro e trabalhei com elas um pouco de matemática, simulando variações de quantidade dos ingredientes. Depois lambuzei as mãozinhas delas com óleo vegetal e elas enrolaram as bolinhas da massa que eu já levei pronta. Assamos os pães-de-queijo na própria sala, pois há 2 fornos lá. Foi um sucesso, todos amaram: “Nina, a gente pode fazer pão-de-queijo toda semana?” Fizemos mais uma outra vez, com igual felicidade! Tive que distribuir a receita pra várias pessoas, inclusive pro chef da cantina da escola.

O pão-de-queijo ficou famoso, saiu até no jornal semanal da escola \o/

Outra atividade que desenvolvi com eles foi uma preciosa sugestão da Lily, que já é professora, e me deu a idéia dos Escravos de Jó. Eu amei a idéia e achei que o jogo rítmico iria ao encontro do que o Steiner assim definiu:

“(…) os processos rítmicos da segunda infância estão no âmago da busca por significado, por reciprocidade e por continuidade no mundo pela criança. O modo rítmico permite que ela perceba o mundo como um universo criador de ordem, com padrões, o qual celebra a diversidade dentro do contexto da forma estruturada. A criança está igualmente atenta a padrões de integração (formas e origens comuns) e exemplos de diferenciação (singularidade e objetividade). Durante a segunda infância, a criança exibe uma espécie de ‘compreensão estética’ do mundo, enraizada em sua vida interior, emocional e rítmica.”

A Ali apaixonou-se pela canção e achou que as crianças não teriam problema algum em apreender os movimentos, pois mesmo sem entender as palavras, elas se guiariam pelos sons. Dito e feito. Na primeira vez que jogamos, eu iniciei a brincadeira cantando a canção pra elas ouvirem. Depois cantei por 2 vezes mostrando os movimentos, e a partir daí jogamos juntos, cada um segurando uma pedrinha. Jogamos os Escravos de Jó por 3 semanas como atividade diária. Na primeira semana jogamos com as pedrinhas, na segunda caminhando em círculo e fazendo os movimentos com os pés, e na terceira fizemos ambas as formas diariamente. Foi lindo ver a evolução dos movimentos e da concentração durante essa jornada, e muito emocionante vê-las cantando em português. Teve um determinado dia que a Ali me pediu pra escrever a letra da canção no quadro negro. Aí eu contei sobre o que se tratava o jogo, e convidei-as a repetir as frases depois de mim. A atividade foi finalizada com cada criança escrevendo a letra e fazendo um desenho. Foi gratificante ver os desenhos e ouvi-las cantarolando a música enquanto desenhavam.

Muitas crianças imitam o desenho que a professora faz no quadro, e essa foi a primeira vez que eu desenhei num quadro negro – fiquei insegura… é algo que parece simples, mas não é, mas que a prática certamente trará melhorias 🙂

No desenho de cima, a criança desenhou os escravos lutando pela liberdade 🙂

Na última semana do meu estágio, eu decidi fazer algo para presentear as crianças: coraçõezinhos personalizados de feltro recheados com pedrinhas de aquário bem pequenininhas. Foi muito trabalhoso, devo ter gastado cerca de 40 horas pra confeccionar 0s 27 corações. Mas foi uma jornada maravilhosa! Eu ía pensando em cada criança pra escolher as cores do feltro, das rosinhas e das linhas. Coloquei muito amor em cada um deles. Quando o cansaço batia forte, eu pensava no tamanho da felicidade delas quando recebessem o presente. Na última noite dormi apenas três horas pra conseguir terminar tudo, meus dedinhos no final já estavam doloridos, mas meu coração e minha alma estavam exultantes. O brilho no olhar de cada uma delas ao receber o seu próprio coraçãozinho, transmutou cansaço em luz e alegria. E nós jogamos os Escravos de Jó com os “love-hearts”. Foi a vez que elas jogaram com mais concentração, pois eu disse a elas que eu queria ver cada uma terminando o jogo com o seu próprio coração. E assim foi!

Os 27 love-hearts com os nomes de cada uma delas costuradinho nas costas. O marido mais lindo do mundo fotografou de manhã, antes da minha saída pra escola 🙂

Depois desse último jogo, a Ali desenhou no quadro um cartão de agradecimento pra mim e pediu pras crianças também fazerem os delas.

E foi com muita alegria que o meu último dia de estágio transcorreu. Recebi vários presentinhos de algumas das meninas, as quais vira e mexe chegavam pra mim e diziam “Nina, porque você tem que ir embora? Você não pode ser a nossa professora? Você vai voltar de vez pro Brasil? ” Eu não podia caber em mim de tanta felicidade.

Esses presentinhos foram feitos pelas meninas: uma bolsinha de tricô, vários origamis, uma pulseira e um par de brincos. Eu fui muito mimada, não!? Delícia de viver!!!!!!!!!
Lindo cartão feito pela mesma menina que fez a pulseira e alguns dos origamis. Também vou sentir muitas saudades de você, dear Josie… 
Love you too, Kiyah <3
A professora juntou todos os desenhos num livro de desenhos pra mim 🙂 Ai ai… felicidade demais pra esse coraçãozinho aqui!

A Ali me presenteou com uma linda vela. Mas o melhor presente foi ler no relatório de avaliação do meu estágio: “Nina has a remarkably calming presence. She speaks clearly and has a beautiful use of language. She also sings beautifully. Nina has a calm, clear and gentle presence in the classroom. I couldn’t recommend her more highly.” Ebaaaaa!!!!!!

A etiqueta em destaque é pra ser amolecida em um pouco de água e depois plantada, pois traz sementes de margarida prensadas nela..

No fim do dia, recebi muitos abraços apertadinhos e muitos agradecimentos pelos love-hearts. Eu tive que prometer que voltaria para visitá-los, o que certamente farei. Esse primeiro estágio me encheu de alegria! Que bom que eu ouvi o meu coração, joguei tudo pro alto e resolvi mudar de profissão. O coração sempre sabe, nós é que às vezes não sabemos ouvi-lo. Obrigada Vida, minha alma é só expansão!!!


12 Comments

  1. ana valéria

    Muito bonito, Ka! Dá pra sentir a emoção pelo seu relato… realmente, as crianças são seres maravilhosos! Aproveite cada minuto de sua experiência com elas. Parabéns! Beijos

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    • Nina

      são seres incríveis né, amiga, realmente iluminam nossa alma! não vejo a hora de ter os meus 🙂 beijos com amor!!!!!1

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  2. Patricia Reis

    Acho que, por mais de uma vez, já parabenizei você pela sua coragem e desejei felicidades na sua nova jornada. Pelo seu texto, dá para perceber que você está no caminho certo. Maravilhosa experiência.
    beijos

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    • Nina

      ei pati, obrigada! sinto isso, amiga, que estou no caminho certo 🙂 beijos e saudades………….

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  3. Renatinha

    Cabela,
    Se relato é super emocionante.
    Não é de se espantar que vc esteja nas nunvens!
    Bjos

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    • Nina

      zezitaaaaa, passei das nuvens amiga, tô flutuando cosmo afora kkkkkkkk
      te amo, zé!!!!!!!!!!!!!!!

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  4. Clare

    Dear Nina,
    This is a most beautiful post. I feel nurtured just by having read it and seen the pictures. Your beauty and heart shines through as much as the children’s. What a wonderful teacher you will be! xClare

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    • Clare

      Amendment: what a wonderful teacher you ARE!

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      • Nina

        dear clare, thank you so much for these beautiful words, filled my heart with joy <3
        how did you get to read it? did you translate the page? anyway, love the idea of you reading my blog 🙂
        love, love, love,
        nina

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  5. Gi

    que jeito de acabar com a saudade dos seus posts! adorei! lindo e emocionante! as crianças são maravilhosas e transformam nosso mundo! eu tenho minhas duas criancinhas aqui que me encantam e amo estar com eles todos os dias! clarice adora fazer presentes, andando pela rua sempre surge uma surpresa, uma folha, uma flor, uma pedrinha, um beijinho… Lourenço tem imitado, outro dia Clarice colheu uma flor e ele só conseguiu uma pétala e foi me entrgar todo sorridente! confesso que encho meus olhos de lágrimas ao lembrar dos passeios verpertinos com as crianças e tmm me emocionei com a sua experiência! qria que as crianças tivessem uma profe como vc em sala de aula! beijos!!

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    • Nina

      delícia ler seu depoimento, gi!! crianças são mesmo pura luz, tô morrendo de saudades da energia delas em sala de aula, foi lindo demais!!!! vou guardar os presentinhos com taaaanto carinho, amiga! imagina eu ensinando a clarice e o lourenço, q lindo!!! beijos e saudades <3

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